Formas de expor 1949-69
CRÍTICA - A perspectiva de Daniel Lima Arnaut
Nas comemorações do seu 50º aniversário, o Museu Gulbenkian abre as portas para “Formas de expor 1949-69”, exposição que apresenta vários pontos de vista contemporâneos à criação do próprio Museu.
Durante estas décadas, a intersecção entre arte e arquitectura procurava criar uma sociedade mais igualitária, que se opunha à santificação burguesa da arte. É neste contexto que a exposição recria espaços concebidos por arquitectos cuja tendência é a democratização do espaço da galeria e a aproximação entre o espectador e as obras de arte, provocando uma interacção mais emocional e irracional.
No espaço dedicado à arquitecta Bo Bardi os quadros são expostos no centro da sala, numa grelha regular, em cavaletes transparentes. Assim a parte detrás fica tão exposta como a da frente, oferecendo uma perspectiva inédita. Com os Smithsons ziguezagueamos por um corredor branco de paredes falsas, fortemente iluminadas - uma “via láctea” segundo os arquitectos - onde não vemos nada para além das obras de arte. Depois são recriados dois trabalhos de Van Eyck: o primeiro, construído em blocos de cimento, simula ruas, becos e praças. O espaço apertado força o espectador a caminhar perto das obras, enquanto que os plintos, do mesmo material das paredes, homogeneízam o espaço e reforçam a experiência urbana. O segundo trabalho de Van Eyck, controverso, consiste em plintos heterodoxos onde são expostas várias peças em simultâneo. Carlo Scarpa procura trazer as obras de arte para o mundo real, expondo-as em cavaletes clássicos de alta qualidade, encostados à parede como se ainda estivessem no atelier. Por fim, a dupla Albini e Helg expõem quadros sem molduras, quando possível, e suspendem-nos no ar ou em cavaletes simples. Também há duas cadeiras Tripolina que podemos usar, sentados, como ferramenta contemplativa.
Como a galeria principal tem duas entradas opostas, que fazem a única ligação interior entre o edifício sede e a colecção do fundador, o espaço é usado como corredor e ponto de encontro pelo pessoal do museu. Por cada espectador existem três anti-espectadores. Os que pagaram bilhete caminham lentamente por entre as seis “Formas de expor”, parando para ler sobre o seu contexto histórico ou para apreciar uma das obras em exposição. Os que estão a ser pagos movem-se com pressa enquanto olham para o telemóvel, ou formam pares, conversando para passar o tempo. Ainda existe um terceiro grupo, ignorantes do seu papel, que são os que lavam os vidros do lado de fora, sem saber o que se passa do outro lado.
É irónico que numa meta-exposição, numa exposição sobre exposições, nos seja negada a oportunidade de contemplar cada uma das seis “formas de expor” como espaços distintos. Através do ruído omnipresente dos walkie-talkie, das conversas e do passo apressado, ou dos movimentos no exterior, exacerbados pela indiferença de quem não participa, ficamos reféns de uma trivialidade que se impõe à experiência.
Inacreditavelmente, quando fui ver a exposição, atrás de umas paisagens suspensas e ao lado de quem cuidava dos vidros, do lado de fora, estava uma mulher de meia idade, vestida com uma camisola cor-de-rosa, a abraçar uma árvore enorme. Com os braços bem esticados e a cabeça encostada ao tronco, deixou-se estar naquela posição tempo suficiente para causar comoção dentro do museu.
Graças a esta performance imprevista sentiu-se uma harmonia temporária dentro da exposição. Enquanto olhávamos lá para fora, “Formas de expor” perdeu o plural. Esta cena durou até ser enviado um segurança, depois de finalmente ter ficado claro que a mulher ia continuar na sua orgia de compaixão, e tudo voltou ao normal.
Vista da exposição com a recriação do projeto de Lina Bo Bardi. Vista da exposição com a recriação do projeto de Aldo Van Eyck..
Fotografia: © Pedro Pina / Fundação Calouste Gulbenkian Fotografia: © Pedro Pina / Fundação Calouste Gulbenkian
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